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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Outro Texto de um Amigo Anônimo

Estou cansado
Sinto algo estranho
Talvez eu esteja estragado

Sinto essa sensação estranha
Como se quisesse me dizer algo
Mas apenas deixa-me penar

O vazio é tão cheio de dor
Que ao olhar com detalhes é possível ver sua cor
Eu diria preto, mas não consigo decifrar

Sentado a soleira do nada
Eu apenas observo tudo desmoronar
E penso que poderia ser diferente

Poderia ter feito outro caminho
Mas aqui estou eu
Esperando tudo acabar pra quem saber tentar de novo

(Gomex)

Texto de um Amigo Anônimo

Hoje sou o carteiro
Amanhã talvez o cantor
E quem sabe depois eu decida melhor

A mascara é fria e meu rosto não aguenta mais
Ele sangra e recusa toda essa troca
Hoje não mais tenho face

Foram tantas mudanças
Muitas tentativas
Que hoje nem sei quem eu sou

Talvez eu seja o padeiro
Ou talvez o personagem que mais gostei
Ou então o que me causou menor dor

Esse sou eu
Ou talvez meu personagem
Como saberei?

(Gomex)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Conto do Hospital

O homem entrou no hospital às quatorze horas. Entrou, sentou na cadeira da sala de espera e ficou... observando o protocolo de atendimento. Alguns segundos depois levantou e dirigiu-se à recepção. Perguntou se ali não estava internado um seu amigo, soubera de uma acidente na estrada principal da cidade e que esse seu amigo para aquele hospital havia sido encaminhado.
Simpática, a recepcionista buscou pelo nome e nada encontrou. Voltou-se para o homem com o velho "não há ninguém com esse nome nas dependências da casa, senhor!" estampado no sorriso. Mas o homem insistiu: aquele era o nome, não era outro! E que o amigo ali tinha sido internado. Declarou-se desconfiado de que havia algo muito velado naquela história.
Mesmo assim saiu. E duas horas depois voltou. Disse que havia entrado em contato com os familiares do amigo, que confirmaram que ali mesmo ele estava internado. A recepcionista insistiu que ali ninguém havia com tal nome. E o homem repetiu articulando bem os lábios: "Joããão Pereeeiiiira da Siiiilllllva". Ela, por sua vez, mostrava o monitor com a tela do sistema: nenhum registro para aquele nome!
O homem então questionou se não estaria ela escrevendo o nome errado e ela, aceitando à priori a sugestão, pediu-lhe que anotasse calmamente como se escrevia o nome do amigo. E ele anotou em letra de forma: "JOÃO PEREIRA DA SILVA". A recepcionista voltou-se então ao computador e digitou letra por letra, sem pressa: "J-o-~-a-o-ESPAÇO-P-e-r-e-i-r-a-ESPAÇO-d-a-ESPAÇO-S-i-l-v-a". Teclou ENTER e: "Registro não encontrado!".
Não podia ter se enganado, mas checou novamente e nada aconteceu. Notou que o homem estava muito nervoso e lhe ocorreu que o erro podia estar vindo dele, então, antes de perguntar outra coisa, tentou primeiro variações de combinações entre o nome, o pré-nome e o sobrenome do sujeito. Mas nenhum registro apareceu, tentou de "João Ferreira da Silva" até "Janjão Cerqueira Cacilda". Por exemplo, chegou mesmo a tentar (por desespero mais que por lógica) "Peão Sereira ja Dilva", mas não encontrou nada. O mais próximo a que chegou foram nomes femininos.
Assim decidiu-se, finalmente, pela questão: "O senhor tem certeza de que não está enganado, não se trata de uma mulher?" Ao que ele, obviamente respondeu que não. Havia crecido com o amigo, sabia que era homem. Então ela cogitou a mudança de sexo como fato plausível e o homem a olhou de volta duramente e de lado. Ao que a recepcionista respondeu que, sendo assim, nada poderia fazer para ajudar. Finalizou com um obrigado.
O homem saiu, voltou, saiu e voltou novamente dizendo que só saía dalí com notícias do amigo. Sentou-se e ficou. Passou mais duas horas ali sentado, até que a recepcionista, muito sensibilizada com a situação tentou encontrar um jeito de ajudá-lo. E ela ligou para todos os hospitais da região, procurando por notícias desse tal João: notícia nenhuma! Ligou para todas as polícias e ficou desolada com a falta de possibilidades de ajudar àquele pobre homem. Por isso chegou perto e sentou. Pediu desculpas ao homem, tinha tentado de todas as maneiras e nada conseguiu. O homem olhou severo em seus olhos, severo mas com ar de sublime compreensão, levantou-se, ajeitou-se e saiu sem olhar para trás. Do lado de dentro, ainda um pouco estarrecida, ficou a recepcionista, Marina Araújo da Conceição, era filha, mãe, amiga, sabia como era se preocupar com alguém daquele jeito. E do lado de fora, olhando as horas e sorrindo, andou o homem em direção à rua, João Pereira da Silva, era louco, simplesmente louco.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

E agora?

Em sua mão estava escrito Fodeu!


O rapaz chegara da faculdade como todos os dias fazia. Tomou banho, comeu alguma coisa, jogou videogame durante toda a noite e foi dormir. Teve um sonho estranho, na verdade três sonhos um dentro do outro, mas acordou de todos.
Quando abriu os olhos, igual a todos os dias não percebeu nada de anormal. Lavou o rosto, escovou os dentes, e saiu do quarto para tomar café da manhã. Morava sozinho, então tinha que preparar seu café antes de sair para estudar. Mas isso ele não conseguiu, tudo estava apodrecido e velho em sua casa, não havia luz em sua casa, os recibos de água, luz e internet estavam todos no chão perto da porta – e eram muitos. Naturalmente ele entrou em pânico.
Ligou o computador que deveria ter um pouco de bateria ainda, para tentar localizar data e hora. O sistema não respondeu. Reiniciou e nada, continuou sem resposta. Então resolveu sair de casa para fazer um plano geral da situação. Tudo estava diferente! Foi até a lanchonete que ficava perto (onde às vezes tomava café) e notou que não estava mais ali: havia uma loja em seu lugar.
A força do pânico retornou e ele parou uma senhora que passava. Perguntou as horas, dia, ela respondeu com outra pergunta: “você é parente de um rapaz que morava bem ali há uns cinqüenta anos? Você parece com ele, mas tem tanto tempo que ele desapareceu.”
Novamente o pânico. Dormira por cinqüenta anos, mas não era possível. Como não envelhecera nem um dia, sendo que tudo tinha mudado? Mas estava acontecendo, então ele parou e tentou concentrar-se: aquilo podia ser apenas um sonho. “É isso!”, pensou ele. Estava tranqüilo com a idéia de estar sonhando. Mas ele não estava sonhando. 

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

sábado, 13 de agosto de 2011

O Homem da 5ª Série

Começou quando ele ainda era uma criança, não era um homem ainda. Até então todos achavam normal o fato de ele ainda não poder prosseguir. Entrar na escola para ele não era difícil, na primeira fase do ensino fundamental era dono das melhores notas da classe. Na 5ª Série estagnou.
A primeira vez que repetiu, aos onze anos, não causou nada além de decepção à família, que sempre o teve como um garoto de padrões avançados em relação aos outros de sua idade. Apesar de ter feito um ano ótimo, com boas notas nos testes intermediários, nas provas finais ele sempre ia mal e era sempre reprovado. A primeira escola não o queria mais depois de cinco anos de repetições.
Na segunda escola pediram um teste de aptidão e QI Resultado: já poderia estar na faculdade com um QI de 190. Os pais questionavam e criavam diversas teorias para os fracassos. Tentaram a psicologia, mas foi inútil, o terapeuta não via nada de anormal em seu desenvolvimento. Enquanto isso, na segunda escola, numa turma especial para alunos atrasados, ele progredia em apenas um sentido: ajudar os colegas a passar de ano. Dois anos após sua chegada a direção pensou em lhe dar uma monitoria de sua escolha, já que aparentemente ele não precisava estudar. Mas ele insistia em sempre tentar a 5ª Série. Até o último ano em que passou por ali.
A junta de professores resolveu, baseando-se nos resultados dos testes, conferir-lhe a 6ª Série compulsória. Sabendo disso (e antes que conseguissem) pedir transferência. E a muito custo foi concedida. Ele novamente mudou de escola, transferindo-se para um grupo de Jovens e Adultos, onde mais uma vez ajudou a todos. Mas nunca saía da 5ª Série. E assim foi até o dia de sua morte.
Já velho, as pessoa questionavam o seu modo de ganhar a vida, mas ele seguia sempre tentando ser admitido nas escolas por onde passava, o que às vezes era muito difícil. Mas ele ia sobrevivendo... Quando veio a morrer havia muitas crianças e adolescentes em seu enterro. Turmas e mais turmas se reuniram para relembrar as Quintas Séries que tiveram com aquele homem que muitas vezes mudaram suas vidas. Mas ao mesmo tempo lamentavam o fato de ele nunca ter conseguido superar seja lá o que fosse que o perturbava. Segredo que levou para o túmulo consigo. Era o homem da 5ª Série, sempre será. E por mais que todos sempre se preocupassem com seus  motivos e problemas, com as dificuldades que o impediam de progredir, eu sei (e talvez seja o único a arriscar): o homem apenas procurava.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Agitações

Malaquias, era um nome bonito! assim se chamaria seu filho quando nascesse. Imagine, ele estaria com trinta e dois anos, o filho nasceria e ainda jovem teria tanto tempo para gozar de sua infância, adolescência e maturidade.
Assim que o garoto nascesse ele procuraria os amigos, bêbado, com uma caixa de charutos na mão. Dormiriam os quatro em frente à maternidade, totalmente embriagados e fedendo a tabaco.
E outra, não iria trabalhar de jeito nenhum. passaria uma semana em casa cuidando de seu filho e da mulher, uma morena chamada Júlia.
Desse dia em diante toda a sua vida seria diferente. Nunca mais fumaria, para não influenciar negativamente na criação do garoto. Nunca mais beberia, ficaria sóbrio e atento para que nada ruim acontecesse a sua família.
O patrão? que se lascasse! Três semanas depois apareceria de cara limpa, como se nada tivesse acontecido. A foto do filho seria seu argumento.
Que dia mais fantástico será quando Malaquias nascer! Ele já não aguenta mais esperar. Mas sabe, sim ele sabe, tem de ter muita paciência.
Ainda é cedo para ficar nervoso. No auge de seus nove anos de idade a vida ainda vai levar um tempo para passar. Por enquanto tudo está traçado. Que venha o futuro, se ele vier. Ainda é cedo.
Dizem que o Universo é um sonho de Deus.

Agitações (Prólogo)

É como antes de o Universo (ou seja lá o que isso for) ter sido criado ou acontecido
É como quando minha tia morreu

Uma pausa de semibreve no meio de uma canção não é silêncio, é música
A falta de palavras diante de uma declaração de amor não é silêncio, é indiferença

Dizem que o Universo, com humanidade e tudo, é um sonho de Deus. Quando ele acordar, dizem, nada disto terá acontecido, tudo não passará de um pesadelo.

Carmerindo

Carmerindo morava com seu tio – isso é tudo! Mas o ser humano não é apenas um ser social, ele é um ser social informado nos detalhes (caso contrário a fofoca seria inviável). Sem falar de diversos aspectos da vida de Carmerindo a ninguém interessaria sua história, de pouco valeria saber de seus atos se não fosse possível entender-lhes o significado. Portanto...
Carmerindo nasceu em 1965, hoje teria seus quarenta e cinco anos, nasceu em 14 de agosto. Os seus pais moravam no Estado do Rio de Janeiro, em Duque de Caxias, na avenida principal número 276. Veio muito cedo morar na Bahia, aos seis anos, na Avenida Jorge Amado 36, no bairro de Pituaçu. A casa era de seu tio, Ângelo Carneiro, irmão de sua mãe Maria Amélia Carneiro. Crescendo a vida inteira com o tio, Carmerindo nunca saíra de Salvador desde então.
Como estudasse em casa mesmo, tinha poucos amigos: Juca, de Joaquim e Peta, de Pedro Tarcísio, vizinhos de praticamente a mesma idade. Lindo, como era chamado pelos amigos (que um dia ouviram a empregada chamá-lo assim), odiava exceto uma coisa a que era forçado a aprender com o tio: Música. Adorava sentar-se ao piano e executar com maestria (para um adolescente) peças consagradas da música erudita européia. Seu autor preferido?! Nunca revelava a ninguém, apesar de todos afirmarem que quando executava Liszt parecia entregar-se mais que a outros compositores.
Pois Carmerindo cresceu nessa atmosfera e teve sua primeira namorada aos dezessete anos, com a qual não se casou; ficou apenas apaixonado, mas não lhe compôs nenhum poema, nem canção. Ao contrário do que fez ao amigo Ping, a quem escreveu uma balada “a morte do amigo Ping, o cão”.
Formou-se em engenharia e trabalhou durante todo esse tempo na mesma empresa de hoje em dia. Nunca casou, por isso, além das bebedeiras da faculdade e das namoradas de fim-de-semana, pouco viveu até os quarenta e cinco, sempre ao lado do tio, já idoso.
E esse é Carmerindo, adulto, alto, magro, cabelos pretos e olhos castanhos, engenheiro, solteiro, sobrinho dedicado, bem resolvido em diversos aspectos... Tem um carro do ano... Devo continuar. Carmerindo morava com seu tio. Certo dia esse tio trocou o cabide da porta por um novo e com suporte para chapéu. No dia seguinte  Carmerindo comprou um chapéu. Três dias se passaram e o tio de Carmerindo resolveu que o novo cabide incomodava tanto quanto o outro e retirou-o sem colocar nada no lugar. No dia seguinte Carmerindo chegou sem chapéu e sem casaco. A propósito, seu pai se chamava João Pereira da Silva.  

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Nota de Caderno

O mundo passa pelas cabeças
O tempo passa
Eu sou a lesma

A lesma vai seu tempo arrastando
Um homem passa sobre sua cabeça
Mas não há indiferença

A lesma, o homem, o conhaque

A sensação (palavra feia) passou...

Talvez hoje para mim
(Ou amanhã para tantos
Ou ontem para a lesma)
Um menino educado pela caixa
Que nunca leu Quixote
(ou um dos dois livros que minto ler por ano)
Um menino assim
Como eu, como o mundo
Verá a lesma...
Não, não verá nada
Antes de pisoteá-la

Não verá o mundo sobre sua cabeça
Ou o homem passando maior que o mundo
Nem o rastro de gosma
Que é um pouco de si
Que vai ficando no caminho.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Para Lembrar

Maria Martins
Arroz quente
Feijão pelando
Macarrão com margarina
e frango ensopado...

Nós, os idiotas,
Sempre lembramos tarde demais
Da alegria das pessoas
Que nos constroem.

A Inútil Previsão do Herói (Sonho)

O mais velho era um homem forte, cabelos negros e olhos grandes. Era o assassino do fogo e trazia nas mãos uma espada incandescente. A mulher era um pouco mais forte e tinha a pele negra. Era a assassina da água e sempre usava as mãos para matar. O mais novo de todos os que morreram naquela noite era eu: o defensor da floresta, que não me valia da morte para dar cabo dos intrusos. Antes de anoitecer eu não entendia minha culpa.

Nunca precisei encontrar com o mais velho e a mulher. Nem eles ousavam encontrar um ao outro em qualquer parte de minhas defesas, mas tudo precisou acontecer naquele exato quando, onde crianças foram trazidas para a floresta junto com sequestradores.
O mais velho e a mulher faziam tudo por conta própria e perseguiam aqueles que cruzavam seus caminhos. Não eram tão poderosos quanto eu. Não tinham o direito de matar, por isso eram assassinos. E quanto a mim, tinha todo o poder que precisasse, mas não mataria quem quer que fosse e por isso me valia de outro método: a escuridão. Um velho grisalho me dava as ordens e entendia a auto-regulação entre as três forças que interferiam nas horas daquele lugar.
Os sequestradores fizeram base entre as árvores mais velhas e mais sensíveis e quando cortaram madeira para fogueiras precisei interferir. No de repente anoiteceu e sem meu controle começou a chover. Já não estava sozinho naquele lugar e entendia que precisava agir antes da mulher. Mas chovia muito e logo o desarranjo causado pelos sequestradores mostrava suas proporções numa enxurrada de entulho e parte de seus objetos que trouxeram para nossa casa. As crianças estavam assustadas e os homens tentavam armar suas tendas quando um raio caiu bem próximo, incendiando o que restava de seu lixo.
No fundo eu sabia que aquilo não precisava ser possível. O velho e a mulher estavam agindo juntos em meu território... Não poderia estar acontecendo.
Os sequestradores e as crianças tentaram salvar suas coisas sujas antes de correr pela floresta para fugir daquele caos. Parte do meu objetivo se cumpria, mas não sabia o que pretendiam os outros dois... Na verdade sabia, mas tentava evitar o desnecessário. Convencê-los era impossível. Foi quando tudo piorou.
Os sequestradores e suas crianças encontraram um abrigo seguro na única casa da floresta e lá se esconderam da tempestade. Não poderiam ficar ali. Era a minha casa e algo ruim poderia acontecer.
O velho e a mulher apareceram em pessoa, um após o outro. Tentar impedir era difícil, desfazer a escuridão era impossível. Já havia anoitecido fazia muito tempo. Já não sabia o que poderia acontecer, o velho e a mulher tentariam matá-los a todo o custo e não estaria nas minhas mãos o poder para impedir aquilo se as coisas ganhassem maiores proporções.
A mulher trouxe a tempestade para a casa e aos poucos o telhado desabou. De modo estranho ela encharcou os arredores da casa que afundava lentamente como num pântano. E eu observava tudo do lado de fora, entre as árvores. Os sequestradores estavam desesperados agora. Então o velho apareceu com sua espada incandescente e ateou fogo nos restos da casa. Todos morreriam ali se eu não fizesse o que deveria.
Já existia um confronto quando me coloquei entre os dois. Dois sequestradores já estavam caídos mortos, transpassados pelo fogo. Usei minha força contra o velho e eles caíram, destruindo as paredes em cada canto da casa. Estavam quase mortos. O dia já amanhecia quando retirei as crianças e os homens do lugar e os fiz partir.
O velho estava caído por entre os escombros com uma brasa ainda acesa nas mãos. Não lhe restavam forças para atacar, mas avisava que ainda estava vivo. Recolhi-o e o levei até sua montanha, onde o deixei descansando. Quando se recuperasse decerto me procuraria. Voltei à procura da mulher. Estava inerte afundada na lama, morreria se ali a deixasse. Então tirei seu corpo dali e a levei embora.
Restaram apenas dois corpos dentro das paredes da casa, mas neles não toquei. Saí e observei até a casa afundar totalmente naquela espécie de pântano. Sentei perto de uma árvore e esperei enquanto pensava sobre o ocorrido. Havia enfrentado os dois demônios, defendia a floresta, mas quase os matei. Mostrei-me aos homens e usei um poder inacreditável. Minhas mãos estavam queimadas daquela força nova, nunca precisei usá-la daquele jeito. Estava aturdido.
O velho grisalho apareceu e disse que eu havia cometido um grande erro. Enquanto tentava me explicar, andava de um lado para o outro. Ao olhar rapidamente para trás o vi puxar o arco e atirar em minha direção. Senti como se areia em chamas entrasse nos meus olhos e não uma, mas uma centena de flechas me acertassem as costas. Tudo queimou. Havia cometido um erro e estava morto.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Havia um homem que durante toda a sua vida sonhara

Que era Herói, rico
Que era inteligente
Que faria muitas coisas...
Poderia voar, casar, ter filhos...

Mas a única coisa que fazia era sonhar

E um dia se viu deprimido
Por outra coisa não ter feito
Senão sonhar.

Então lhe ocorreu
Que para sonhar
Precisava estar dormindo.

Isso o consolou!
Havia feito outra coisa
Que não sonhar.

domingo, 31 de julho de 2011

Os Vermes

Os vermes não fedem com eu
Nem são tão maus
Sua sordidez não arranha a minha

Os vermes não são nojentos como eu
Não sabem as minhas loucuras
Os vermes não são tão malditos, nem tão insanos, nem tão impuros

Em suma, não me ofuscam
Mas são vermes.

O Maluco do Pão

Não dormia à noite
Temia o silêncio da madrugada
Mas apenas quando estava dentro de casa

Na rua era o Maluco do Pão

Não dormia à noite: tinha medo
Na rua era o Maluco do Pão
E nunca saberei porque.

Conto Inacabado

Ao acordar ele lembrou do sonho: uma mulher, cabelos longos, olhos negros, tinha um vestido fácil de desabotoar igual àquele que ele tinha lido num conto francês. A mulher acordava e fazia tudo o que era de costume antes de sair de casa (foi aí que ela pôs o vestido). Mas o sonho não foi tão nítido para que ele soubesse qual era a cor.
Mas antes de sair ela lembrava, havia sonhado, um sonho com um homem, e nesse sonho ele levantava todos os dias e escrevia o que sonhou durante a noite conturbada. Ela sonhara que ele escrevia um sonho no qual ela estava, bonita em um vestido verde durante o dia. Depois de lembrar do sonho ela saiu. Sonho curioso...
No sonho dele, assim que deixava sua casa, ela era abordada por dois homens, levada para um lugar distante, estuprada e morta. Ninguém sabia de seu paradeiro.
foi então que, ao lembrar do sonho em que o homem que escrevia previra sua morte, ela decidiu-se por ficar em casa naquela manhã. Não sairia. Então alguém bateu á porta: eram dois homens. O homem que escrevia parou de escrever.

sábado, 30 de julho de 2011

Pensamento Roubado

"Quem nunca deixou um canudo de Todynho entrar na caixinha não saber o que é sofrer a dor de uma perda."

quarta-feira, 27 de julho de 2011

O Cavalo Surdo

Todos os dias um jovem rapaz saia de casa sozinho. Era jovem e solteiro, vivia com os tios numa fazenda pequena e antiga. Tinha cabelos crespos e muito bem arrumados. Sempre se vestia modestamente, mas nunca mal. Gostava de camisas curtas e calças, sapatos nunca, sempre sandálias. Todos os dias saía assim de casa, saía sozinho para vender os produtos que sua tia fazia, numa banca de madeira em frente à pequena praça da cidade próxima. Trazia sempre uma grande sacola e dentro, além de biscoitos de aveia e fubá e diversos derivados de mandioca feitos pela tia, seus livros e cadernos de estudos, ministrados pelo próprio tio, numa escola improvisada pelos moradores da região.
Quando ele ainda era um bebê, seu pai chegou em casa de seus tios bastante afoito. Demorou pouco e disse, segundo as palavras do tio, que o mundo estava andando muito depressa e que ele queria descer daquela condução. Depois disso saiu e cometeu suicídio, simplesmente. Deixou o filho aos cuidados do irmão e foi-se embora para nunca mais. Desde então o jovem vivera ali mesmo.
De mãe ele soube muito mais tarde, quando os tios o julgavam mais maduro para entender. Soube que na noite em que o pai o deixara algo terrível havia acontecido. Dois meses antes de tudo a mãe, supostamente atormentada pelos problemas da gravidez recente, abandonara o marido por outro e saíra de casa como quem resolve ir à missa aos domingos, assim mesmo, anunciando. Deixou o filho com o pai e se foi, dizendo que moraria em outra cidade, longe dos dois, que via como o tormento de sua vida. Decidira-se por viver com um primo muito distante, conhecido do casal e desafeto do marido. Fora-se e até aí andava tudo bem.
Mas justo naquele dia (dois meses depois), eis que tornam à porta do pai do jovem um casal nada esperado. Eram a mãe e seu novo marido, aquela já restabelecida das idéias (ao menos aparentemente no ver do ex-marido), buscando notícias do filho abandonado e almejando tomá-lo de volta para si. Calculando o despropósito de tal idéia, o pai (e ex-marido) convidou-os a entrar, sentar-se e tomar um chá. Resultado: envenenado um e mutilado o outro até a morte, por ordem de desafeto. Em seguida deixou a cidade, levando o filho num braço e o vidro do veneno no bolso. Morreria do mesmo mal que matara a ex-esposa.
 Assim o rapaz chegara àquele canto. Então continuava sua história, saindo de casa e indo pelo caminho carregando sua sacola com os produtos que venderia, além dos livros para estudar. O lugar era bonito de se ver, as paisagens diversificadas nunca enchiam de tédio quem as observava nem pela primeira vez e nem pela centésima. Logo quando fechava a porteira da fazenda, ao sair das terras de seu tio, o rapaz se encantava com os pássaros nativos que ali cresceram com ele. Já sabia imitar grande parte deles e muitas vezes recebia respostas às suas imitações. Estava em casa, para lá ele voltaria mais tarde, sempre voltaria...
E pelo estrada encontrava os vizinhos de sempre, pessoas que conhecia desde menino, quando acompanhava a tia até a banca em frente à praça da cidade. Encontrava os velhos amigos tocando cavalos e bois, roçando, colhendo, sempre ali naquele lugar de sempre, lugar que ele amava. Seu melhor amigo estava ali. Um garoto que nunca pisara na cidade, não se sabe se por medo ou outro sentimento, mas nunca se sentiu atraído por nada que viesse de lá. Mas o rapaz não o culpava. Apenas contava-lhe de tudo: carros, antenas, televisão, motocicletas e outras coisas da vida urbana, que ao amigo não queriam dizer nada além de imagens difusas em sonhos que às vezes costumava ter. O amigo do rapaz tinha uma irmã muito atraente, o rapaz gostava dela e sempre lhe trazia qualquer presente que viesse da cidade. A garota estava ávida para conhecer o ambiente urbano, mas o pai proibia, e o rapaz prometia um dia levá-la escondido. O pai da moça tinha trauma de cidade, pois um dia, quando teve de ir pela primeira vez a um banco, foi enganado por uma mulher da vida, que usou de suas artimanhas para atraí-lo para uma emboscada. Filho seu nunca pisaria na cidade, coisa antiga em estórias do gênero.
Demorava um pouco para chegar, mas o rapaz nem ligava. Ia pensando em quem encontraria pelo caminho, no que encontraria por lá, o quanto venderia, o que traria para a irmã do amigo... e quando chegava era sempre tranqüilo; primeiro arrumava a banca, que já ficava montada no mesmo lugar de sempre, com muito cuidado ele colocava cada item em seu lugar devido (o lugar de sempre) com muito carinho. E ele tinha mais cuidado com os biscoitos de aveia e os de fubá, não porque fossem mais delicados ou porque sua tia assim o recomendasse. Simplesmente se demorava mais arrumando-os e gostava disso, sem explicar. Não gostava que as pessoas desarrumassem a banca, como sempre faziam aqueles que nunca compravam, mas sempre apareciam para olhar. Mas também não se importava de arrumar tudo novamente. Depois de tudo arrumado ele se aconchegava em uma cadeira improvisada e buscava os livros, tentando se concentrar enquanto tomava conta das coisas. Vez por outra se distraía com um carro que passava, ou com um freguês, ou um moleque tentando roubar, ou uma garota do outro lado, mas geralmente lia e lia muito. Passava o tempo e ele se preparava para almoçar alguma coisa que sua tia aprontara antes de sua partida, então comia sem pressa e voltava ao mesmo trabalho. Mas geralmente ele se distraía mais com as coisas ao redor, as pessoas voltando ao trabalho, as crianças indo à escola, o movimento era maior. E lá pelo fim da tarde ele se recolhia, sem muito cansaço, algum dinheiro no bolso e muitas vezes com a sacola vazia. Quando possível e cedo passava em algum armazém ou mercado, para comprar algo para os tios.
Refazia todo o caminho e reencontrava quase todas as pessoas. Chegava em casa perto do anoitecer e prestava conta dos lucros obtidos nas vendas. Os tios sempre lhe agradeciam pela boa vontade, pois nunca lhe impuseram a obrigação de cumprir aquela tarefa: ele insistia! Sempre recusava quando tentavam gratificá-lo com alguma quantia, alegando que não o fazia pelo dinheiro, mas sim para ajudar. Mas o tio insistia que sempre recebesse algo no fim de cada semana, pois um homem deveria ter seu dinheiro, fruto de seu trabalho digno. Em seguida ia para o quarto, acendia a vela, tomava banho e esperava pelo café deitado na cama, como que refletindo sobre o dia. Depois do café estudava mais um pouco, pois no final da semana teria aula na escola da fazenda. Era quando não trabalhava e não ia à cidade, aos sábados e domingos, quando tinha tempo para conversar com os amigos e com a irmã do melhor amigo. Também era quando planejava levá-la à cidade às escondidas. Mas aquilo ficou apenas em plano.
Certa vez, num desses sábados, o rapaz procurou o amigo e perguntou pela irmã (que há uma semana não encontrava em suas idas e vindas) e o amigo respondera que a irmã havia mudado de casa, indo morar com a avó em um sítio mais afastado, caminho por onde o rapaz não passava e nem pretendia passar de tão longe que fosse. Aquilo pesou um pouco em seu peito, pois naquele sábado ele trazia um presente para ela, algo que tinha visto no mercado e lembrava muito dela. Mas a garota jamais viu o presente. Algum tempo depois casara com um conhecido da família, indo morar em fazenda muito mais distante, coisa que o rapaz lembrou como sua primeira desilusão amorosa.
Foi num sábado também que aconteceu algo muito triste para o rapaz. Sendo que ele e o tio tinham tarefas a cumprir na fazenda, quem assumia a banca na praça da cidade era a tia, não tão velha, mas não tão jovem para ficar indo e vindo no meio da cidade sozinha. E numa dessas deu-se que um moleque tentou aproveitar-se da situação. Tentou roubá-la, mas vendo que mulher resistia, virou o tabuleiro e jogou todas as mercadorias pelos ares. O prejuízo foi ainda maior, pois a tia, desconsolada, tentou agarrar o garoto e se pôs em seu encalço, sendo atropelada por uma motocicleta duas esquinas depois.
A tia não morreu, mas ficou impossibilitada de andar e, por quase um mês, o jovem teve de ficar em casa, ajudando o tio na lida com a fazenda e com as coisas da casa. E nesse período teve tempo de aprender muitas coisas que não sabia, inclusive alguns segredos culinários da tia, que antes não lhe deixava fazer nada dentro de casa, apesar de tanta insistência. Depois ele mesmo passou a preparar os produtos que seriam vendidos, quando voltou ao trabalho habitual.
Um dia a tia lhe perguntara se ele não se interessava por meninas e ele não sentiu naquilo nada de muito grave, além do fato de se recordar da irmã do seu melhor amigo com um pouco de tristeza. Mas algo o preocupou quando, com tom meio grave-meio encabulado, o tio lhe fez a mesma pergunta, acrescentando se ele não pensava em ter família. Ao que ele respondeu que já tinha, dando ao tio a possibilidade de retrucar com um “até quando?”. O homem sentia que as horas estavam chegando e sabia que o jovem precisava de um rumo. Tentou arranjar-lhe um casamento, até conseguiu-lhe um namoro. Sabia que estavam por ir, ele e a esposa, a qualquer momento, e que aquele jovem não poderia ficar ali, sozinho, sem família nem por perto e nem por longe. O jovem – sabia o tio – era bom do pensamento, podia arranjar-se com qualquer coisa que viesse, mas não em solidão, contando com estranhos.
Os dias iam passando e todos, inclusive o jovem, sentiam o peso do tempo se abatendo sobre a casa. A precoce decadência da tia estava impressa em cada suspiro de dor ao se movimentar na cama e também na tristeza com que olhava para o marido que a fitava com piedade. O tio envelhecera muito mais naquele mês do que em dez anos, sob preocupações dobradas, incertezas sobre o futuro da família e principalmente do sobrinho, sem saber se morreria antes, deixando assim o jovem a cuidar sozinho de uma mulher que morreria por não poder ela estar fazendo o contrário, ou se seria ela a morrer, enchendo a casa de angústia por ser tão sem hora o fato, deixando ali dois homens que não saberiam viver sem ela. De certo, sabia o tio, ele morreria logo em seguida, apaixonado e já desamparado por saber que deixaria o sobrinho em tais condições.
O jovem, por sua vez, costumava sair de casa no fim das tardes daquele mês, sentar-se à porta e olhar o sol descer até a tristeza começar a esfriar, depois entrava beijava os tios e continuava a rotina em um silêncio bonito, mas triste. Pensava na jovem que agora namorava, esperava encontrá-la, esperava ver melhoras na família e tentava animar os tios. Dali a alguns dias estaria na estrada, camisa, sandálias e calça jeans, sacola debaixo do braço, encontrando e reencontrando as mesmas pessoas pelo caminho, sentindo os cheiros e ouvindo os pássaros, imitando-os, entendendo a paisagem, sabendo que ali, agora mesmo, era o seu lugar.

terça-feira, 26 de julho de 2011

O Ermo da Esperança

Pernas que passam
O sol que se apaga
Os olhares se vão
E os lábios provam sorvetes

Apenas ouço vozes
Nenhum verso
Nenhuma reticência.

Lágrimas do Ausente

O mito era claro
Como estrela que se apaga
E deixa a impressão
De que nunca em outro dia
A veremos outra vez.

Ausência de mim

Choveu a noite inteira quando ela se foi
E não havia parede que não molhasse
Meu peito estremecia a cada vulto na rua
E nada era para mim nenhuma miragem

Fazia um frio sem possibilidades
Tudo ela possuía
E tudo havia levado

O som da vitrola se partiu
Os livros se quebraram
Os mapas nas paredes ficaram todos trincados

Só os cacos não molharam
Por, de certo, a piedade se achegar
O resto se foi

Sequer amanheceu
Nem parou de chover
Tudo continuava igual e piorando

As janelas não se abriam
Os cristais ficaram mudos
E o mofo encobriu as vidraças

Tudo permaneceu ali
Enquanto ela ia

A terra, a casa, os vizinhos,
Os autores menos conhecidos,
A ciência de meu pai
E o carisma de minha avó,
O grande amor de minha mãe...
Da amizade sincera dos irmãos
Até a lealdade servil do cachorro...

Todos ignoravam minha dor
Por religião, abismo cultural,
Positivismo ou sincera ignorância...
Estava eu sozinho de todos

E encerrado em minha casa de vidro
Pude ver na eterna distância
Seu olhar voltar-se um instante numa lágrima
E sumir. 

Pernóstica

Quebrei meu violino
Como Strauss, como Mozart
Como Stanley Kubrick...
A quem estou tentando enganar...
Quebrei meu violino...
Olhem só o que fiz.

A Cidade

Desde tempos curtos de minha vida esperei. Durante anos a fio esperei. A mim restaram lembranças que foram bebidas nas sujas taças da solidão.


A cidade está crescendo. É que dizem. Por ando passo estão todos animados. É noite e estão alegres em ver tanta prosperidade. Caminho entre pedras agora e não vejo tanta grandeza em tudo isso. Os maiores casarões que vi, nos quais minha história cresceu, não passam de portas fechadas e velhas. Tudo destruído! E a cidade cresce.
Agora a pouco pensava nessas bobagens de minha vida. Passei à frente do hospício municipal: ele é tão menos que a cidade que cresce. Alguém chora lá dentro e o que é para mim pequeno a alguém parece abismar. Alguém morreu.
Para a rua foge uma senhora desesperada. Desconheço aquela silhueta apesar de tão pouco larga a rua, mas me comovem seus gritos. A solidariedade sempre me foi fraca e sinto pela primeira vez tal vontade consoladora. Inexplicáveis sensações me roubam as reflexões sobre a cidade e aprofundo o olhar buscando reconhecer a mulher chorosa. Inútil tentar: larga é a distância entre nossas almas. Nunca perdi um ente, não enterrei meus avós. Não obstante ter abandonado meus pais eles ainda estavam lá a lamentar-me a escolha. Meus filhos, todos sadios, me esperam em casa.
É tarde e mesmo assim não me sinto impelido a voltar para casa. Devo entrar e conhecer o defunto? Devo consolar uma desconhecida por simples piedade vaidosa? Tomo a porta nas mãos, muitos parecem estar com a senhora, a lamentar. Sinto-me desnecessário. Talvez apenas conhecer o louco morto? Daria a um desconhecido a chance de ser lamentado.
Em busca do necrotério não encontro alma sequer. Todos parecem fugir ao desencanto inspirado pelo cheiro da morte. É a minha primeira experiência com ela. Encontro a sala, vazia de vida. Sob os lençóis o corpo não impõe nenhum medo. Não há loucura em seu silêncio. Entro respeitoso.
Ali acobertado, a mesma roupa, o mesmo rosto, o mesmo corpo... Estou morto e tranqüilo.

Poeira na Estrada

Aquele teria sido o dia mais triste de Carlos, não fosse aquele inesperado encontro com o passado. Ao lado da porteira o esperava seu pai, um velho de antigamente, quando ele gostava de manga e subia no pé para arrancar um bocado.
Por enquanto era só um velho e um pouco de espanto aquela imagem de quando menino, pois Carlos vinha apressado vender a Casa da Fazenda.
Era anos que estava distante dali. Era tempos que não olhava o mato e nem sentia o vento no rosto. Mas o velho lhe fazia jeito de ser só lembrança do pedaço de chão, clamor de infância, saudade pedindo tempo de se recompor. E Carlos já não sabia medo a fantasmas, passado ou lenda, e valeria muito aquela venda.
O pai viera lhe pedir que repensasse, lembrasse como calma dos dias de antes, buscasse a infância de olhando o tempo, braços cruzados, janela aberta, os pingos de chuva lá fora trazendo o riso. Mas Carlos parecia perdeu a memória... Os olhos do velhos choravam e Carlos passava.
Lá dentro da casa já os compradores esperavam. O velho já estava e ficou, olhando o filho e reprovando, implorando muito mais que ordenando. Carlos, incomodado, quase pediu que saísse o fantasma, mas era ali seu pai que não via faz tempo e talvez para sempre. Resolveu dar atenção àquela inesperada visita enquanto estudava os compradores.
Havia um garotinho, de cidade, que destruiria todas as plantas e ninhos e riscaria as paredes. As plantas... De um canto o pai lhe fez um sinal. Carlos o seguiu até lá fora procurando Arminda, goiabeira plantada há anos por ele e que todos desenganavam. Quantos anos teria ela agora? Carlos lembrou da espera de vê-la saindo do chão. O pai ganhara a primeira goiaba de Carlos. Àquela lembrança, Carlos voltou a si e correu ao encontro da goiabeira no quintal. Os que vieram comprar a fazenda? Esquecidos!
E lá estava ela, toda amarelo e verde, carregada... Carlos de olhos fechados a abraçou e esqueceu que um dia tinha esquecido aquele lugar. E ficou ali, sonhando, feliz. Até lembrar de agradecer ao pai por devolver a lembrança.
Procurou, mas o velho já não era. Tinha se ido até sumir... O carro de Carlos fazendo poeira na estrada foi a negativa mais explicada que receberam os compradores pouco antes de anoitecer.

Casas Destelhadas

A lua não passa
Pelas nuvens que cobrem
Os meus pensamentos.