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Casas Destelhadas é um projeto que reúne textos autorais escritos ao longo de alguns anos de minha vida. Poemas, contos, desenhos, crônicas e diversas outras manifestações fazem parte desta coletânea. Inicialmente o projeto contava com a participação de diversos outros amigos, que aqui vão colaborar através de suas caricaturas. Tais contribuições aparecerão em forma de poemas, frases, quadrinhos e músicas das quais esses amigos são autores ou personagens.
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quarta-feira, 22 de novembro de 2023
sábado, 6 de maio de 2023
A História
Sentado
de frente para a televisão ele assistia ao telejornal. O sofá o
incomodava bastante - não é um móvel muito confortável para sua
velha coluna estragada. O dia passou inteiro diante de seus olhos,
ele não foi trabalhar, ficou o tempo todo sentado olhando para os
cantos da casa, pensando. Por isso, de certa forma, nem notou o que
se sucedia na tela que emitia um som qualquer. Apenas sabia que a
noite chegara.
A sua mãe
passara inúmeras vezes em sua frente, questionando o dia de folga, os
motivos para aquela cara. E ele apenas respondia que estava pensando.
Talvez ele já soubesse desde cedo, só não tinha percebido, mas
aquela atitude já demonstrava o germe de sua ideia.
A única
refeição feita até agora fora o café da manhã. Acordara
disposto, com energia e sem vontade de trabalhar, como era de
costume. Mas, foi só depois do café que resolveu sentar um pouco,
para esperar o horário de sair e ali ficou, simplesmente. A mãe
perguntou se não trabalharia e ele só disse que não.
No almoço
ela perguntou se não ia comer e ele disse que não estava com fome.
E no jantar o mesmo aconteceu. Algo tirara seu apetite, mas ele não
sabia dizer para si mesmo do que se tratava. E quando, afinal, notou
que era o jornal da noite que passava parou de respirar por um
instante e teve a resposta e a ideia. E para si ele exclamou: “É
isso, é um jogo! Não vale a pena!”
Então
ele levantou, pediu licença à mãe e disse que iria para o quarto.
E para lá realmente foi, remoendo como faria, como colocaria em
prática o seu plano. “Como conseguiria burlar as regras do jogo?”
era a primeira pergunta de seu esquema, que planejava enquanto
caminhava, fechava a porta e deitava em sua cama.
Ficou
deitado por muito tempo, pensando sobre as impossibilidades de se
evitar o transcorrer desse jogo, o “jogo” era como um conto, como
um romance ou como qualquer tipo de narrativa que ele costumava criar
em sua mesa de trabalho para entreter leitores ávidos por matar o
tempo. “O Tempo! É isso!”, pensou ele. Esse era apenas mais um
dos elementos do jogo. Fechou as grossas cortinas da janela, obstruiu
todas as entradas de luz, apagou a lâmpada e voltou para a cama.
Ficaria ali sem pensar em nada, muito menos na passagem do tempo e
assim esperava excluir o primeiro elemento do jogo. Mas ainda
restavam outros.
Então
ele tentou excluir da cabeça a ideia de que estava em algum lugar.
Além disso a escuridão ajudaria nessa sensação de estar em nenhum
lugar. Fazendo-o acreditar que estava excluindo mais um elemento.
Restavam ainda mais elementos.
E ele
resolveu ficar imóvel, sem piscar os olhos, sem imaginar
absolutamente nada, excluindo assim as ações, elementos cruciais no
jogo. E por muito tempo permaneceu assim, como pedra, tentado até
mesmo não respirar. Mas já se sentia cansado, desconfortável,
chegando à conclusão da impossibilidade de burlar o jogo. Pois ele
não estava fazendo nada disso.
Naquele
momento ele era um homem deitado numa cama, no escuro, fingindo não
existir por, provavelmente, algumas horas. Não havia como eliminar o
tempo, nem o lugar, nem as ações daquela situação. Não havia
como burlar o jogo.
No
entanto ele imaginou um jeito. Faltava eliminar um elemento, talvez o
mais importante de todos para uma narrativa. Aquele sem o qual não
haveria ação, nem sensação de tempo e nem percepção de lugar.
Era preciso eliminar a personagem. E seria o fim da história, “seria
o fim do jogo!”
Então se
levantou, foi à cozinha, notou que o dia havia amanhecido fazia
tempo. Tomou um copo d’água, depois segurou uma faca na altura do
pescoço e cortou a própria garganta. E enquanto sentia seu corpo
adormecer e seus olhos pesarem, teve um lapso e entendeu o erro que
havia cometido...
Dez
minutos depois sua mãe chegou e o encontrou ali, caído. Nada podia
ser feito. À polícia ela disse que o filho passara o dia anterior
muito estranho. Mas que não entendia porque faria aquilo, era bem
sucedido, alegre, inteligente. A polícia concluiu que se tratava de
um suicídio de uma mente atormentada e assim noticiou à imprensa.
Desse modo, na manhã seguinte, na segunda página do jornal, de um
jeito ou de outro, ele virou história.
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