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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

sábado, 13 de agosto de 2011

O Homem da 5ª Série

Começou quando ele ainda era uma criança, não era um homem ainda. Até então todos achavam normal o fato de ele ainda não poder prosseguir. Entrar na escola para ele não era difícil, na primeira fase do ensino fundamental era dono das melhores notas da classe. Na 5ª Série estagnou.
A primeira vez que repetiu, aos onze anos, não causou nada além de decepção à família, que sempre o teve como um garoto de padrões avançados em relação aos outros de sua idade. Apesar de ter feito um ano ótimo, com boas notas nos testes intermediários, nas provas finais ele sempre ia mal e era sempre reprovado. A primeira escola não o queria mais depois de cinco anos de repetições.
Na segunda escola pediram um teste de aptidão e QI Resultado: já poderia estar na faculdade com um QI de 190. Os pais questionavam e criavam diversas teorias para os fracassos. Tentaram a psicologia, mas foi inútil, o terapeuta não via nada de anormal em seu desenvolvimento. Enquanto isso, na segunda escola, numa turma especial para alunos atrasados, ele progredia em apenas um sentido: ajudar os colegas a passar de ano. Dois anos após sua chegada a direção pensou em lhe dar uma monitoria de sua escolha, já que aparentemente ele não precisava estudar. Mas ele insistia em sempre tentar a 5ª Série. Até o último ano em que passou por ali.
A junta de professores resolveu, baseando-se nos resultados dos testes, conferir-lhe a 6ª Série compulsória. Sabendo disso (e antes que conseguissem) pedir transferência. E a muito custo foi concedida. Ele novamente mudou de escola, transferindo-se para um grupo de Jovens e Adultos, onde mais uma vez ajudou a todos. Mas nunca saía da 5ª Série. E assim foi até o dia de sua morte.
Já velho, as pessoa questionavam o seu modo de ganhar a vida, mas ele seguia sempre tentando ser admitido nas escolas por onde passava, o que às vezes era muito difícil. Mas ele ia sobrevivendo... Quando veio a morrer havia muitas crianças e adolescentes em seu enterro. Turmas e mais turmas se reuniram para relembrar as Quintas Séries que tiveram com aquele homem que muitas vezes mudaram suas vidas. Mas ao mesmo tempo lamentavam o fato de ele nunca ter conseguido superar seja lá o que fosse que o perturbava. Segredo que levou para o túmulo consigo. Era o homem da 5ª Série, sempre será. E por mais que todos sempre se preocupassem com seus  motivos e problemas, com as dificuldades que o impediam de progredir, eu sei (e talvez seja o único a arriscar): o homem apenas procurava.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Agitações

Malaquias, era um nome bonito! assim se chamaria seu filho quando nascesse. Imagine, ele estaria com trinta e dois anos, o filho nasceria e ainda jovem teria tanto tempo para gozar de sua infância, adolescência e maturidade.
Assim que o garoto nascesse ele procuraria os amigos, bêbado, com uma caixa de charutos na mão. Dormiriam os quatro em frente à maternidade, totalmente embriagados e fedendo a tabaco.
E outra, não iria trabalhar de jeito nenhum. passaria uma semana em casa cuidando de seu filho e da mulher, uma morena chamada Júlia.
Desse dia em diante toda a sua vida seria diferente. Nunca mais fumaria, para não influenciar negativamente na criação do garoto. Nunca mais beberia, ficaria sóbrio e atento para que nada ruim acontecesse a sua família.
O patrão? que se lascasse! Três semanas depois apareceria de cara limpa, como se nada tivesse acontecido. A foto do filho seria seu argumento.
Que dia mais fantástico será quando Malaquias nascer! Ele já não aguenta mais esperar. Mas sabe, sim ele sabe, tem de ter muita paciência.
Ainda é cedo para ficar nervoso. No auge de seus nove anos de idade a vida ainda vai levar um tempo para passar. Por enquanto tudo está traçado. Que venha o futuro, se ele vier. Ainda é cedo.
Dizem que o Universo é um sonho de Deus.

Agitações (Prólogo)

É como antes de o Universo (ou seja lá o que isso for) ter sido criado ou acontecido
É como quando minha tia morreu

Uma pausa de semibreve no meio de uma canção não é silêncio, é música
A falta de palavras diante de uma declaração de amor não é silêncio, é indiferença

Dizem que o Universo, com humanidade e tudo, é um sonho de Deus. Quando ele acordar, dizem, nada disto terá acontecido, tudo não passará de um pesadelo.

Carmerindo

Carmerindo morava com seu tio – isso é tudo! Mas o ser humano não é apenas um ser social, ele é um ser social informado nos detalhes (caso contrário a fofoca seria inviável). Sem falar de diversos aspectos da vida de Carmerindo a ninguém interessaria sua história, de pouco valeria saber de seus atos se não fosse possível entender-lhes o significado. Portanto...
Carmerindo nasceu em 1965, hoje teria seus quarenta e cinco anos, nasceu em 14 de agosto. Os seus pais moravam no Estado do Rio de Janeiro, em Duque de Caxias, na avenida principal número 276. Veio muito cedo morar na Bahia, aos seis anos, na Avenida Jorge Amado 36, no bairro de Pituaçu. A casa era de seu tio, Ângelo Carneiro, irmão de sua mãe Maria Amélia Carneiro. Crescendo a vida inteira com o tio, Carmerindo nunca saíra de Salvador desde então.
Como estudasse em casa mesmo, tinha poucos amigos: Juca, de Joaquim e Peta, de Pedro Tarcísio, vizinhos de praticamente a mesma idade. Lindo, como era chamado pelos amigos (que um dia ouviram a empregada chamá-lo assim), odiava exceto uma coisa a que era forçado a aprender com o tio: Música. Adorava sentar-se ao piano e executar com maestria (para um adolescente) peças consagradas da música erudita européia. Seu autor preferido?! Nunca revelava a ninguém, apesar de todos afirmarem que quando executava Liszt parecia entregar-se mais que a outros compositores.
Pois Carmerindo cresceu nessa atmosfera e teve sua primeira namorada aos dezessete anos, com a qual não se casou; ficou apenas apaixonado, mas não lhe compôs nenhum poema, nem canção. Ao contrário do que fez ao amigo Ping, a quem escreveu uma balada “a morte do amigo Ping, o cão”.
Formou-se em engenharia e trabalhou durante todo esse tempo na mesma empresa de hoje em dia. Nunca casou, por isso, além das bebedeiras da faculdade e das namoradas de fim-de-semana, pouco viveu até os quarenta e cinco, sempre ao lado do tio, já idoso.
E esse é Carmerindo, adulto, alto, magro, cabelos pretos e olhos castanhos, engenheiro, solteiro, sobrinho dedicado, bem resolvido em diversos aspectos... Tem um carro do ano... Devo continuar. Carmerindo morava com seu tio. Certo dia esse tio trocou o cabide da porta por um novo e com suporte para chapéu. No dia seguinte  Carmerindo comprou um chapéu. Três dias se passaram e o tio de Carmerindo resolveu que o novo cabide incomodava tanto quanto o outro e retirou-o sem colocar nada no lugar. No dia seguinte Carmerindo chegou sem chapéu e sem casaco. A propósito, seu pai se chamava João Pereira da Silva.  

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Nota de Caderno

O mundo passa pelas cabeças
O tempo passa
Eu sou a lesma

A lesma vai seu tempo arrastando
Um homem passa sobre sua cabeça
Mas não há indiferença

A lesma, o homem, o conhaque

A sensação (palavra feia) passou...

Talvez hoje para mim
(Ou amanhã para tantos
Ou ontem para a lesma)
Um menino educado pela caixa
Que nunca leu Quixote
(ou um dos dois livros que minto ler por ano)
Um menino assim
Como eu, como o mundo
Verá a lesma...
Não, não verá nada
Antes de pisoteá-la

Não verá o mundo sobre sua cabeça
Ou o homem passando maior que o mundo
Nem o rastro de gosma
Que é um pouco de si
Que vai ficando no caminho.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Para Lembrar

Maria Martins
Arroz quente
Feijão pelando
Macarrão com margarina
e frango ensopado...

Nós, os idiotas,
Sempre lembramos tarde demais
Da alegria das pessoas
Que nos constroem.

A Inútil Previsão do Herói (Sonho)

O mais velho era um homem forte, cabelos negros e olhos grandes. Era o assassino do fogo e trazia nas mãos uma espada incandescente. A mulher era um pouco mais forte e tinha a pele negra. Era a assassina da água e sempre usava as mãos para matar. O mais novo de todos os que morreram naquela noite era eu: o defensor da floresta, que não me valia da morte para dar cabo dos intrusos. Antes de anoitecer eu não entendia minha culpa.

Nunca precisei encontrar com o mais velho e a mulher. Nem eles ousavam encontrar um ao outro em qualquer parte de minhas defesas, mas tudo precisou acontecer naquele exato quando, onde crianças foram trazidas para a floresta junto com sequestradores.
O mais velho e a mulher faziam tudo por conta própria e perseguiam aqueles que cruzavam seus caminhos. Não eram tão poderosos quanto eu. Não tinham o direito de matar, por isso eram assassinos. E quanto a mim, tinha todo o poder que precisasse, mas não mataria quem quer que fosse e por isso me valia de outro método: a escuridão. Um velho grisalho me dava as ordens e entendia a auto-regulação entre as três forças que interferiam nas horas daquele lugar.
Os sequestradores fizeram base entre as árvores mais velhas e mais sensíveis e quando cortaram madeira para fogueiras precisei interferir. No de repente anoiteceu e sem meu controle começou a chover. Já não estava sozinho naquele lugar e entendia que precisava agir antes da mulher. Mas chovia muito e logo o desarranjo causado pelos sequestradores mostrava suas proporções numa enxurrada de entulho e parte de seus objetos que trouxeram para nossa casa. As crianças estavam assustadas e os homens tentavam armar suas tendas quando um raio caiu bem próximo, incendiando o que restava de seu lixo.
No fundo eu sabia que aquilo não precisava ser possível. O velho e a mulher estavam agindo juntos em meu território... Não poderia estar acontecendo.
Os sequestradores e as crianças tentaram salvar suas coisas sujas antes de correr pela floresta para fugir daquele caos. Parte do meu objetivo se cumpria, mas não sabia o que pretendiam os outros dois... Na verdade sabia, mas tentava evitar o desnecessário. Convencê-los era impossível. Foi quando tudo piorou.
Os sequestradores e suas crianças encontraram um abrigo seguro na única casa da floresta e lá se esconderam da tempestade. Não poderiam ficar ali. Era a minha casa e algo ruim poderia acontecer.
O velho e a mulher apareceram em pessoa, um após o outro. Tentar impedir era difícil, desfazer a escuridão era impossível. Já havia anoitecido fazia muito tempo. Já não sabia o que poderia acontecer, o velho e a mulher tentariam matá-los a todo o custo e não estaria nas minhas mãos o poder para impedir aquilo se as coisas ganhassem maiores proporções.
A mulher trouxe a tempestade para a casa e aos poucos o telhado desabou. De modo estranho ela encharcou os arredores da casa que afundava lentamente como num pântano. E eu observava tudo do lado de fora, entre as árvores. Os sequestradores estavam desesperados agora. Então o velho apareceu com sua espada incandescente e ateou fogo nos restos da casa. Todos morreriam ali se eu não fizesse o que deveria.
Já existia um confronto quando me coloquei entre os dois. Dois sequestradores já estavam caídos mortos, transpassados pelo fogo. Usei minha força contra o velho e eles caíram, destruindo as paredes em cada canto da casa. Estavam quase mortos. O dia já amanhecia quando retirei as crianças e os homens do lugar e os fiz partir.
O velho estava caído por entre os escombros com uma brasa ainda acesa nas mãos. Não lhe restavam forças para atacar, mas avisava que ainda estava vivo. Recolhi-o e o levei até sua montanha, onde o deixei descansando. Quando se recuperasse decerto me procuraria. Voltei à procura da mulher. Estava inerte afundada na lama, morreria se ali a deixasse. Então tirei seu corpo dali e a levei embora.
Restaram apenas dois corpos dentro das paredes da casa, mas neles não toquei. Saí e observei até a casa afundar totalmente naquela espécie de pântano. Sentei perto de uma árvore e esperei enquanto pensava sobre o ocorrido. Havia enfrentado os dois demônios, defendia a floresta, mas quase os matei. Mostrei-me aos homens e usei um poder inacreditável. Minhas mãos estavam queimadas daquela força nova, nunca precisei usá-la daquele jeito. Estava aturdido.
O velho grisalho apareceu e disse que eu havia cometido um grande erro. Enquanto tentava me explicar, andava de um lado para o outro. Ao olhar rapidamente para trás o vi puxar o arco e atirar em minha direção. Senti como se areia em chamas entrasse nos meus olhos e não uma, mas uma centena de flechas me acertassem as costas. Tudo queimou. Havia cometido um erro e estava morto.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Havia um homem que durante toda a sua vida sonhara

Que era Herói, rico
Que era inteligente
Que faria muitas coisas...
Poderia voar, casar, ter filhos...

Mas a única coisa que fazia era sonhar

E um dia se viu deprimido
Por outra coisa não ter feito
Senão sonhar.

Então lhe ocorreu
Que para sonhar
Precisava estar dormindo.

Isso o consolou!
Havia feito outra coisa
Que não sonhar.