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sábado, 6 de maio de 2023

A História


Sentado de frente para a televisão ele assistia ao telejornal. O sofá o incomodava bastante - não é um móvel muito confortável para sua velha coluna estragada. O dia passou inteiro diante de seus olhos, ele não foi trabalhar, ficou o tempo todo sentado olhando para os cantos da casa, pensando. Por isso, de certa forma, nem notou o que se sucedia na tela que emitia um som qualquer. Apenas sabia que a noite chegara.
A sua mãe passara inúmeras vezes em sua frente, questionando o dia de folga, os motivos para aquela cara. E ele apenas respondia que estava pensando. Talvez ele já soubesse desde cedo, só não tinha percebido, mas aquela atitude já demonstrava o germe de sua ideia.
A única refeição feita até agora fora o café da manhã. Acordara disposto, com energia e sem vontade de trabalhar, como era de costume. Mas, foi só depois do café que resolveu sentar um pouco, para esperar o horário de sair e ali ficou, simplesmente. A mãe perguntou se não trabalharia e ele só disse que não.
No almoço ela perguntou se não ia comer e ele disse que não estava com fome. E no jantar o mesmo aconteceu. Algo tirara seu apetite, mas ele não sabia dizer para si mesmo do que se tratava. E quando, afinal, notou que era o jornal da noite que passava parou de respirar por um instante e teve a resposta e a ideia. E para si ele exclamou: “É isso, é um jogo! Não vale a pena!”
Então ele levantou, pediu licença à mãe e disse que iria para o quarto. E para lá realmente foi, remoendo como faria, como colocaria em prática o seu plano. “Como conseguiria burlar as regras do jogo?” era a primeira pergunta de seu esquema, que planejava enquanto caminhava, fechava a porta e deitava em sua cama.
Ficou deitado por muito tempo, pensando sobre as impossibilidades de se evitar o transcorrer desse jogo, o “jogo” era como um conto, como um romance ou como qualquer tipo de narrativa que ele costumava criar em sua mesa de trabalho para entreter leitores ávidos por matar o tempo. “O Tempo! É isso!”, pensou ele. Esse era apenas mais um dos elementos do jogo. Fechou as grossas cortinas da janela, obstruiu todas as entradas de luz, apagou a lâmpada e voltou para a cama. Ficaria ali sem pensar em nada, muito menos na passagem do tempo e assim esperava excluir o primeiro elemento do jogo. Mas ainda restavam outros.
Então ele tentou excluir da cabeça a ideia de que estava em algum lugar. Além disso a escuridão ajudaria nessa sensação de estar em nenhum lugar. Fazendo-o acreditar que estava excluindo mais um elemento. Restavam ainda mais elementos.
E ele resolveu ficar imóvel, sem piscar os olhos, sem imaginar absolutamente nada, excluindo assim as ações, elementos cruciais no jogo. E por muito tempo permaneceu assim, como pedra, tentado até mesmo não respirar. Mas já se sentia cansado, desconfortável, chegando à conclusão da impossibilidade de burlar o jogo. Pois ele não estava fazendo nada disso.
Naquele momento ele era um homem deitado numa cama, no escuro, fingindo não existir por, provavelmente, algumas horas. Não havia como eliminar o tempo, nem o lugar, nem as ações daquela situação. Não havia como burlar o jogo.
No entanto ele imaginou um jeito. Faltava eliminar um elemento, talvez o mais importante de todos para uma narrativa. Aquele sem o qual não haveria ação, nem sensação de tempo e nem percepção de lugar. Era preciso eliminar a personagem. E seria o fim da história, “seria o fim do jogo!”
Então se levantou, foi à cozinha, notou que o dia havia amanhecido fazia tempo. Tomou um copo d’água, depois segurou uma faca na altura do pescoço e cortou a própria garganta. E enquanto sentia seu corpo adormecer e seus olhos pesarem, teve um lapso e entendeu o erro que havia cometido...
Dez minutos depois sua mãe chegou e o encontrou ali, caído. Nada podia ser feito. À polícia ela disse que o filho passara o dia anterior muito estranho. Mas que não entendia porque faria aquilo, era bem sucedido, alegre, inteligente. A polícia concluiu que se tratava de um suicídio de uma mente atormentada e assim noticiou à imprensa. Desse modo, na manhã seguinte, na segunda página do jornal, de um jeito ou de outro, ele virou história.

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